segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Saravá, Anastácia

[À meia-noite de sua noite de fuga, o jovem nagô levanta como fagulha de fogueira do pisador de terra batida e vai até a negra mais idosa da senzala entoando entreboca um canto-súplica, que todos aqueles que pingaram sangue ao solo conseguiam ouvir dentro de seus corações...]

Preta Velha, Preta Velha
Mãe de luz, força lúcida
Preta Velha, Preta Velha
Velha Preta, vou-me em fuga:

Preta Velha, Preta Velha
Esta noite vou-me embora
Vou-me pela mata adentro
Com o pensamento na senhora

Preta Velha, Preta Velha
Ouça este forte yorubá
Alimentarão-me ancestrais
À sombra d'um jacarandá

Preta Velha, Preta Velha
Antes a fome em liberdade
Me navega o cheiro da morte
Desde o navio da perversidade

Preta Velha, Preta Velha
Trouxe pedrinha da Luanda
Que me apego, quando preguiçoso
Consequente ao pito da liamba

Preta Velha, Preta Velha
Que a lua reza tácita
Me benze com tuas lágrimas
De saudade de Mãe África

Preta Velha, Preta Velha
Reze pois com muito empenho
Pra tu não vires chibata
E nem eu senhor de engenho

Preta Velha, Preta Velha
Entrego-me ao vento, sou mais um
Guiará-me Obatalá
Filho primeiro de Olorun

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Versos de Ventana

pique-escondeu-te
rumando às casas feias
lua dos tristonhos
aventurei a buscar-te 
para ceia
que me negas
por cheia
de meus assistidos
sonhos

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Poema do Dia Seguinte

Quando eu morrer
Me impactarão
Palavras de diversos calibres
Me beijarão os dias
Livres
Do pesar de minhas lutas
Quando eu morrer
Não cantarão os passarinhos
Haverá um concertinho
De meninos iluminados
Que libertaram os passarinhos
Para cantar longe
Quando eu morrer
Um partideiro fará silêncio
De dois minutos
Um tamborim chorará
Saudade
Luto
De tanto que eu dava no couro
Quando eu morrer
Deixarei dois bilhetes de amor
Um de amargura
Deixarei candura aos amigos
Aos inimigos,
Meus livros favoritos
Quando eu morrer
Levarei comigo meus pecados
Meus pecados de pureza
Meus ingênuos pecados inofensivos
Meus pecados de afeto
Carimbados em mim, feto
Antes mesmo da luz conhecer
Quando eu morrer
Viverei por novenas
Em córneas,
Rins
E empoeirados poemas

Nuvens

limites da redoma que fito
sob topo de exuberante lua aparente
que quando transparentes
me iludem de infinito

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Movimento Consuetudinário

2.3 métricas por metro
Smartphones, jornais
Presos aos relógios
Que transitam, vês
Livros, Cristos,
Intelectuais
Barra metálica por cetro
Cajado de rito. Aos demais
Subempregados, sócios
Sonolentos fingidores anti-cíveis
Respeitem, insisto
Os acentos preferenciais

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Phoebis Philea Philea

Isabela fora
Cicatrizadora 
De mazela
Mas ela, por mim
Não mais zela
Carta chinfrim
Não mais sela
Os dela:
"Não mais cela"
Os meus:
"Lembra Marcela?"
Meses à janela
Diversificam aquarelas
Nosso amor
Borboleta amarela
Planando pela atmosfera
Nasceu outono
Morreu inverno
Sonhando ser primavera

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Sarau da Placa de Publicidade do Metrô-Rio

Não chore, Não corra, Não morra, Não ria, Vá, no silêncio De tua festa Adentre A primeira fresta E a transborde Poesia

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Eremônimo (A Cidade)

tanta palma!
cidade cheia,
decerto
e em minh'alma
nem teia, 
deserto

terça-feira, 24 de junho de 2014

Cândida Marie,

Declama-te, o poeta louco:
És o invisível
Contido em tudo que se vê
Caravaggio, 
Portinari, Monet
Desertora d'Orsay às cegas
Bailarina de adegas,
Deténs o poder

De enxergar alma nua
Deste, dito, maldito
Que jura-te a lua,
Só te trair com o infinito,
Danças, películas, monumentos,
Uma dose de surrealirismo
Ao expressionismo 
Do nosso renascimento

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Perguntados

Quantos poemas e melodias e momentos criastes

que careceram de partes infindáveis de tua infinita alma?


Que exigiram-te tua última gota de um possível suor plasmático

antes de apagar-te, dado por fraco, ao pé da materialização ou

firme memória do que fora alma tua?

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Cinza dos Ventos

Tantos buscam um norte
(Pra minha sorte)
Escapo por sudoeste
Destino me põe à prova
Imponho à vida teste

Fecha-te, janela entreaberta
O frio adentra ligeiro
Como fujo pelo asfalto
Além-Rio de Janeiro

Ardi banquetes à lua cheia
Polinizei à nanquin, querubim
Trezentas e oito jasmins
Do jardim que me floreia

Em milhares, acampamento
Quando zeloso, chalé
Guiar-se em céu tempestuoso
É exigência de fé
De renegar o pé-de-meia
Onde gélido vento
Pede meia
E eu cá,
Sem meia no pé

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Alfaiataria

À luz dos olhos, frestas
Não te envergonhe, não te rebele
Se a vi vestida de festa
No translúcido arrepio da pele

Deixe a saia no sofá
Só vá dissolver a roupa minha
Ando envolto em calor
Não programe alarme à calcinha
Que repousa no corredor

Atenta-te ao meu voto
Prefiro o controle remoto
Levantar n'outra manhã
Com teus seios a respirar
Redondos, rosados, maçã
Fugidos da tirania
Voraz de um sutiã

Professo, vide
É tempo de desnudar, suar, zombar
Antes que tudo se acabide

terça-feira, 8 de abril de 2014

Fauvo

Hedonismo... 
Danças loucas em libido
Contentarão
Cortejo fúnebre do lirismo
Solidão...
Monarca em dupla cidadania 
Lá, rei cru da loucura
Cá, rei nu da poesia

La Danse | Henri Matisse | 1909 | Óleo em tela

quinta-feira, 6 de março de 2014

Le Beau Gris Solitaire

Gota de nuvem
Que não nutre flor
Deita no tempo-esponja
Que despoja
Tantas certezas de veraneio

Veste um pensamento
À mão, como luva:
Todo poeta é
Um continente indescoberto,
Praça Paris no deserto
De um dia cinza de chuva

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Em Última Mão

À bengala, dá-me impulso
Sustentas minhas digitais
Ao silêncio, desfilas sinais,
Extremidade pós-pulso

Tateias peles e temperos
Com memória infinita
Como um cão sunita
Fareja a essência do medo

Tens os traumas de minha infância
As frutas catadas no pé
A nascente do Rio Macaé
Os sangues de minhas valentias...

Nossos anos contam oitenta e seis,
Enrugada, trêmula e amarelada tez
Portadora de momentos de insensatez
Onde armazenas odor inverso às leis

Cá confesso a maior de minhas dores:
Quando à face no deserto de meu leito
Oferece-me... - Tenha dó de meu peito!
Arrefecido cheiro, da morte de meus amores

Adentrará em jazigo com primazia
E em cova me perfumarás
Sinestésicos aromas transcendentais
Unos, sob unhas descompassadas de poesia