Saí eu de uma festa, animado. Mas a chuva que caia do lado de fora insistia em gelar minha alma. Me despedi de duas amigas que comigo se aventuraram. Fiz sinal pra um táxi que passara. E ele... passara. Fiz sinal pro próximo. Abri a porta e sentei no banco do carona - não faço esse tipo que senta no banco de trás, com ar pomposo e cheio de si. Gosto de sociabilidade.
- Essa chuva é bom pra chegar em casa e dormir com aquele barulhinho, né? - Puxou conversa o que sentava à esquerda.
- Exato. Hoje em dia existem uns sites que simulam esse som da chuva. Mas o bom é o natural mesmo. E na minha rua ainda tem aqueles gatos que miam a noite toda. Em dias chuvosos eles somem.
- Ah, minha mulher tem um gato.
- E você gosta?
- E você gosta?
- Gostar dele, eu gosto. Mas não sei se a recíproca é verdadeira.
- Gatos...
- É, eu gosto de passarinhos. Tenho um trinca-ferro que canta que é uma beleza nas manhãs de sol. - Pensei: "Quem gosta de passarinhos não os tem". Mas não quis entrar nos meus idealismos naquele momento.
- Deve ser bonito de se ouvir.
- Esse sinal aqui é meio chato... - murmurou - Mas e a festinha que você tava? Muita menininha?
- Ih, cara. Tem casos onde é melhor ter uma só. Mulher já é bicho perigoso. Juntando muitas no mesmo lugar então...
- Isso é verdade. "Ter uma só", então você é do tipo que prefere namorar. Com essa idade? Tá fora da crista da onda. - Disse, usando uma gíria fora da crista do século.
- Não, na verdade não. Apesar de meus namoros terem sido razoavelmente longos. Eu prefiro estar com alguém do que ter alguém. "Ter" é de uma sensação de posse, definida conforme o desenvolvimento dessa sociedade materialista que nos encontramos, que eu não admiro. "Estar" é de uma sensação de companheirismo, cumplicidade, é não estar acima ou abaixo, é estar ao lado.
- Gosto da sua dialética! Você deveria escrever essas suas engenhosidades. Já pensou em ter um blog? Meu sobrinho tem um que ele escreve umas coisas, mas não entendo muito bem disso não.
- Blog? Eu? Não. Sou muito intimista. Me sinto exposto, ainda que de uma forma segura, quando alguém me lê.
- Vou ligar uma música. Quer ouvir música?
- A conversa está agradável, pra mim está bom só com o barulho da chuva.
- Então tá ok!
- A próxima saída da Linha Amarela, heim!
- Conheço esse Rio de Janeiro de cabo à rabo, meu amigo, pode deixar. - ofendeu-se.
- Mas voltando a falar de mulheres. Estou em uma enrascada daquelas, amigo...
- Ih! Já vi tudo!
E a conversa intimista continuou de um modo complacente. E continuou. E continuou... Até que eu paguei a corrida. Houve um aperto de mãos. Saí do carro amarelo e azul pro meu portão de cor verde. Ao adentrar em casa, concluí: "Que engraçado esses psicólogos que fazem bico de taxista".
4 comentários:
Os taxistas seriam ótimos escritores, padres de confessionário, psicólogos, advogados... aliás eles são ! Você paga por um serviço e ganha no mínimo mais um! Basta dizer 'boa noite'
HAHAHAHA adorei !
Apesar de serem péssimos motoristas, os taxistas conseguem compensar nas conversas.
Nossa Renan !
Fantástico ! Meu pai é taxista, quando ele morava comigo ele sempre contava essas histórias, todo dia d noite... hahaha essa tua história me fez lembrar dele ... Brigada !
História pra contar pros netos :))
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